História Através do tempo - KakaSaku (2023)

Eu quero me mexer, perguntar porque diabos estamos aqui e que porcaria ele bebeu para resultar nesse tipo de comportamento, porém a voz rouca muito perto de mim me desnorteia.

— Quieta, Sakura.

Não sou tão teimosa assim e, apesar da situação ser estranha, eu permito que os eventos ocorram conforme Kakashi deseja e assisto, em silêncio não tão voluntário, que rumo tudo isso irá tomar.

Percebo uma movimentação estranha na rua onde eu estava agora há pouco, antes de ser arrastada bruscamente para esse beco, e acompanho o olhar de Kakashi até lá. Shikamaru surge no espaço iluminado e, mesmo a essa distância, eu consigo perceber o nítido aborrecimento na face do conselheiro. Seus olhos varrem cada canto da rua e ele anui para um anbu que pousa em um telhado próximo, chega a ser óbvio demais que procuram algo. E ao julgar pelo o que acontece aqui, é bem óbvio que a pessoa que eles procuram é a mesma que ainda mantém a maldita mão tapando a minha boca.

Chega a ser engraçado presenciar uma cena assim vinda do líder geral da minha aldeia, no entanto eu o conheço além do seu posto e toda a diplomacia que esse envolve. Antes de tudo, ele ainda é Kakashi-sensei, o mesmo ninja que recebeu um apagador na cabeça no dia em que nos conhecemos e que lê livros de conteúdo duvidoso em seu tempo livre. Não há como eu me surpreender tanto, ele está aqui mostrando que ainda é o mesmo cara de sempre e sinceramente estou orgulhosa.

Porque antes de tudo isso acontecer, antes de Misaki e a fuga da prisão anbu, era como se eu não conhecesse mais o ninja mascarado. Havíamos nos afastado muito e nosso relacionamento estava tão superficial que eu era obrigada a fingir que isso não me incomodava, quando, na realidade, me afetava mais do que eu gostaria de admitir.

Quando Shikamaru não aparece mais em nosso campo de visão, tenho minha boca livre e ergo meu rosto para fitá-lo. Está tão escuro que só consigo reconhecer os contornos da sua face mascarada e, assim como eu forço minha visão para enxergá-lo melhor, consigo sentir seu olhar em mim na mesma intensidade e proporção.

— Se divertindo, sensei?

E mesmo que nossa proximidade esteja perturbando meus sentidos, já não muito estáveis na sua presença, eu não consigo conter a vontade de provocá-lo. Ouço sua risada baixa e rouca bem acima da minha cabeça, e então percebo que ele sustenta um dos seus braços ali também.

— O que faz na rua após o toque de recolher, Sakura? A ordem foi clara. — apesar de eu reconhecer a repreensão em sua voz, não consigo levá-lo muito a sério por causa das circunstâncias. A minha ideia de repreensão não é exatamente em um beco escuro e prensada numa parede. — Deveria estar na sua casa agora, descansando e em segurança. Longe das ruas, como ordenei.

— Você disse que eu sou forte. Não estaria tão preocupado com a minha segurança se confiasse realmente em minhas habilidades como afirmou dias atrás.

— Eu também disse que é teimosa e a repreendi por isso, lembra? — eu resmungo em resposta e ele suspira. — Eu dei uma ordem e você deveria obedecer assim como os demais.

— Tem medo que eu dê mal exemplo? — ergo o rosto para encará-lo, não consigo enxergar com clareza e talvez seja por isso que me sinto a vontade para lhe dizer o que penso, embora meu corpo esteja em alerta por causa da aproximação. — Diga ao Hokage que não tenho medo. — ele ri abafado.

— E não deve se permitir ter, não foi assim que eu a ensinei. Mas acho que estou pegando muito leve com você, antes eu ainda tinha algum respeito. — sei que ele está com o cenho franzido agora e isso me faz rir.

— E o que você faz aqui fora também, não seria o Hokage o exemplo maior? — cruzo os braços com certa dificuldade, ele não desgruda de mim e sei que não é somente pelo espaço estreito. — E por que me arrastou para cá afinal? Eu não tenho nenhum interesse em participar das suas peripécias ninjas, brinque sozinho. — resolvo confrontá-lo.

— Estou fugindo do Shikamaru. — o relato sai acompanhado de um pesado suspiro. — Se dependesse dele, eu ficaria naquele escritório até a próxima posse de Hokage. — solto uma risada baixa com a revelação, eu esperava um motivo não tão bobo. — Não ria, aquele cara consegue ser ainda mais insuportável do que o Naruto quando foca no trabalho.

— Que peninha... — balanço a cabeça, é raro vê-lo assim e agradável ao mesmo tempo. — Mas ainda não respondeu a minha outra pergunta. — descruzo os braços e ergo ainda mais o meu rosto, de modo que consigo sentir o leve roçar do seu queixo na minha cabeça. Ele está muito próximo. — Por que me trouxe aqui? Eu não tenho nada a ver com os conflitos do prédio kage. — dou de ombros.

— Eu estava me escondendo por aí e vi você sozinha na rua — ele se move e quando penso que vai finalmente se afastar, o oposto acontece e ele consegue ficar ainda mais próximo de mim. —, pensei em como você é desobediente e quais métodos eu deveria usar para puní-la por isso.

Agora todo o meu corpo parece pegar fogo e talvez eu esteja me precipitando, mas eu tenho motivos para acreditar que suas palavras tiveram um segundo sentido.

— Oh... — minhas bochechas estão quentes. — Não pensei que o aborreceria tanto, apenas me perdi no horário... Quando se é médica o tempo parece voar, entenda. — digo com dificuldade na tentativa de me redimir, mas no segundo seguinte em que sinto o tecido de sua máscara resvalar sobre a lateral do meu rosto, tenho a confirmação de que eu não estava me precipitando sobre as suas palavras e o verdadeiro sentido delas. — S-sensei... — arregalo os olhos em espanto, é difícil acreditar no que está acontecendo.

— Sei o que vai dizer, Sakura. — ele fala ao meu ouvido e todos meus pelos se arrepiam em resposta. — Estamos explorando um território perigoso e os riscos são extremamente altos para ambos, você sabe. — tenho forças apenas para assentir minimamente, ao menos ele sabe o que penso. — Mas então por que você ainda não me afastou? — sussura.

Droga! É um jogo, uma maldita represália por eu ter desobedecido uma maldita ordem. E Kakashi me pegou com tanto facilidade que me sinto ridícula por não ter cogitado que era uma punição desde o início.

— Por que você não pode me repreender... como uma pessoa normal? — sinto sua risada abafada próxima ao meu pescoço.

— Que graça teria em ter sido o seu sensei se eu fizesse isso?

— Não faz sentido algum. — tento ser firme ao argumentar, mas novamente meu corpo incendeia quando ele brinca furtivamente com a minha mandíbula levemente exposta. Seus lábios, mesmo cobertos pelo tecido, deslizam sobre a minha pele em uma carícia vagarosa. — Não... Não faça isso... — ao menos parte de mim ainda está sã e consigo alertá-lo. — Kakashi!

O nome escapa automaticamente dos meus lábios quando, em um momento de distração minha, ele consegue cravar seus dentes na minha pele e todo meu corpo solavanca espantado. É claro que para fazer algo do tipo ele teria que, em algum momento, ter abaixado a máscara. E conseguir isso sem que eu tenha percebido é sinal de que meus sentidos já estão falhando miseravelmente e eu preciso tomar alguma atitude logo, antes que os perca completamente. Tendo esse pensamento como prioridade, eu consigo alcançar seu peito com as minhas mãos e empurrá-lo apenas o suficiente para que eu me afaste e saia daquele beco o quanto antes.

Sim, eu fujo como uma garota covarde que não consegue controlar suas reações diante da única pessoa que deveria.

Minhas bochechas ardem e ainda posso sentir os efeitos que o momento trouxe ao meu corpo, porém o que chega a ser ainda mais intrigante é o fato de que, mesmo sabendo as exatas consequências, e embora devesse, eu não consigo detestar ele pelo o que acaba de fazer. Afinal, tenho plena ciência de que se eu tivesse permanecido lá com ele, naquele ambiente escuro e com toda a tensão que se estendeu a nossa volta, em algum momento eu cederia totalmente.

Pensar isso me faz lembrar de Misaki e como reagi ao ter em minhas mãos a prova de que era anossa filha ali internada. Pareceu tão absurdo a princípio e até um tempo atrás eu estava cética sobre o assunto e ainda acreditava que poderia ter sido um grande engano. Mas agora, considerando não somente o momento anterior, mas também tudo o que vem acontecendo entre nós dois nós últimos dias, é difícil contestar algo que parece fazer questão de ser esfregado na minha cara.

Se eu juntar fragmentos de momentos daqui e dali, eu posso finalmente chegar a conclusão que eu tanto temia: estarmos juntos no futuro não parece agora mais tão improvável e se torna uma ideia cada vez menos perturbadora.

— Maldito! Maldito! Maldito! — na tentativa de afastar esses pensamentos da minha cabeça, eu a balanço de um lado e para o outro, no entanto minha falta de atenção com meu trajeto obviamente resultaria em algum desastre, e foi o que aconteceu.

Eu consigo me distrair o suficiente para tombar em algo, porém é além do que eu esperava, pois meu corpo não alcança o chão e o motivo é tão nítido quanto o braço forte que agora rodeia a minha cintura.

— Você precisa prestar mais atenção por onde anda, Sakura. — Kakashi ressurge na minha frente para acabar com o restante da minha sanidade. — Eu não quero ter que te socorrer sempre — se aproxima do meu rosto. —, apesar de ser divertido. — e na mesma rapidez se afasta. Há um sorriso de canto marcando seu rosto por debaixo da máscara.

— Você quer parar com isso?! — o afasto novamente, cobrindo minha face com meu braço na tentativa de aplacar a vergonha que estou sentindo. — Eu já entendi que estou errada e não vou voltar a desobedecer uma ordem sua!

Agora que posso vê-lo melhor, tenho uma imagem nítida do homem que me persegue. Com vestes totalmente pretas e as mãos agora nos bolsos da calça, Kakashi consegue ser ainda mais bonito em sua naturalidade. Até mesmo a bandana tem um destaque em seu rosto e entendo agora o porquê dessa maldita máscara não deixá-lo nem por um momento. Afinal, se ele consegue ter um efeito tão avassalador mesmo com metade da face coberta, qual seria o impacto de tê-lo sem?

Mais uma vez estou sendo impiedosamente traída pela minha mente.

— Não me olhe assim, Sakura. — pede, girando os calcanhares para o lado contrário e dando início a uma caminhada. — Está babando. — Kami!

Aproveito que ele está de costas para mim e checo minha boca rapidamente com meu polegar, tendo a dura constatação de que não passa de apenas mais uma traquinagem do Hokage. Volto a fitá-lo com fúria e percebo que ele me observa pelo canto do olho, provavelmente se divertindo com a imensa facilidade em que consegue me deixar constrangida.

— Você é um maldito mesmo! — falo alto, ao mesmo tempo em que apresso meus passos para alcançá-lo.

°°°

Como um legítimo cavalheiro do mundo ninja, Kakashi me acompanha até em casa. Nosso trajeto dura poucos minutos e o silêncio nos acompanha até que eu já esteja nas escadas que me levam ao meu apartamento.

— Obrigada pela companhia.

Embora eu ainda esteja irritada com ele, minha mãe me deu educação.

Kakashi está parado no fim da escada e me olha com uma tranquilidade invejável. É normal que quem o veja pense que por ser a figura suprema de Konoha ele mereça o respeito máximo de todos os cidadãos. Mal sabem eles que o Hokage anda arrastando jovens para becos escuros no meio da noite.

— No que está pensando?

Em como você pode ser tão descarado.

— Em nada.

— Não é o que parece. — insiste e sobe um degrau.

— Estou apenas surpresa, é isso. — exponho uma meia verdade. — E confusa.

O fato é: eu não conhecia esse lado que ele me expôs hoje e não estava preparada para isso. Eu não consigo lidar com o que estou sentindo agora.

— Surpresa com o que exatamente? — ele sobe mais um degrau. — Somos adultos, Sakura. Não precisa ficar surpresa ou até mesmo receosa em sentir e experimentar sensações como uma adulta, é um direito seu. — é incrível como Kakashi consegue me decifrar facilmente enquanto que somente agora estou aprendendo a fazer o mesmo com ele. — E enquanto minha aluna lembro de tê-la ensinado que quando fosse adulta não se limitasse tanto ou recuasse por medo de seus próprios impulsos, isso a atrapalhava bastante naquela época.

— Vai usar seus anos de sensei ao seu favor agora? — ele ri baixinho enquanto avança mais um degrau. — Bem, você não é mais meu sensei e eu não tenho boa memória, portanto não lembro desse ensinamento. — fico na defensiva com a nova aproximação.

— Talvez eu devesse ensiná-la novamente. — um novo passo, estamos separados apenas por dois degraus agora, mas ele não parece querer avançar e sei que o motivo disso é que ele espera que eu o faça.

Embora a situação no beco passe uma ideia contrária, ele não é invasivo e espera que eu tenha entendido isso. E eu entendi.

Mas ainda não estou pronta.

— Boa noite, Kakashi-sensei.

Mesmo que eu não me sinta totalmente bem com isso, eu dou as costas e subo o restante dos degraus até a porta.

Eu sei que ele irá me entender, mas por que me sinto tão mal em ter recuado?

Se fosse em outra ocasião diferente da que nos encontramos agora, onde temos que lidar com a confusão de um futuro e ataques a nossa aldeia... Mas então, se fosse, seria diferente? Droga! Estou hesitante e me sinto idiota por isso. Idiota por estar travada na frente da minha porta. Idiota por não conseguir fazer nada além de regredir em tudo que faço. E muito idiota porque sou covarde ao ponto de não conseguir reconhecer nem para eu mesma que os sentimentos que tenho pelo meu antigosensei estão mudando depois de todos esses anos.

Nunca lidei muito bem com mudanças.

E até um tempo atrás eu ainda tinha absoluta certeza do que sentia pelo Sasuke e ainda mais certeza de que isso nunca mudaria, mas novamente eu fui ingênua demais ao levar esse pensamento adiante. E, agora, aquele que eu amei por tanto tempo parece ainda mais distante do meu coração do que de Konoha verdadeiramente.

— Sakura. — Kakashi está atrás de mim, provavelmente preocupado comigo. Não quero ver sua face, não quero responder suas perguntas quando ainda não tenho todas as respostas. Não consigo encará-lo agora.

Alcanço a maçaneta e a giro, porém algo maior acontece. Tudo ao meu redor parece se expandir junto com o estrondo que treme todo o meu apartamento. Eu sou jogada para longe, assistindo o prédio vir abaixo em uma grande explosão.

Apago.